Antibala na agulha

É um acontecimento: a banda nova-iorquina Antibalas desembarca nesta semana no Brasil para três shows — dois em São Paulo, outro no Recife — e tivemos o prazer de entrevistar um dos seus integrantes. A Radiola Urbana tem razões de sobra pra crer que a turnê será histórica. Formada no ano seguinte à morte do nigeriano Fela Kuti (o inventor e principal porta-voz do afrobeat), a banda desencadeou um processo de redescoberta e revitalização de um gênero que estourou nos anos 70 e só agora parece ecoar devidamente mundo afora (aqui no Brasil, inclusive). Leia nossa entrevista com Jordan McLean, trompetista da banda.

É desnecessário dizer que o primeiro show do Antibalas é um evento para todos da Radiola Urbana. Criada em 1998, no ano seguinte à morte de Fela Kuti, o criador do gênero, a banda ajudou a levar a um novo público um som que era quase alienígena para esta geração. Se hoje o afrobeat não necessita explicação, se o Fela Day é um evento mundial e se montaram até um musical na Broadway sobre a vida do músico nigeriano, grande parte da responsabilidade pode ser atribuída ao Antibalas. A banda nasce de uma geração de instrumentistas peculiares de Nova York. São muito próximos dos músicos da gravadora Daptone, criada por Gabriel Roth (músico que fez parte das primeiras formações da banda) e que tem no catálogo artistas de soul que fazem música como se agora fossem os anos 60, como Sharon Jones, Lee Fields, Charles Bradley. Essa geração se dispôs a reproduzir fielmente um gênero musical escanteado e, ao mesmo tempo, adicionar algo novo respeitando a tradição daquela música. Nisso, o Antibalas é brilhante. O afrobeat soa ambiguamente novo e tradicional ao mesmo tempo e, para uma banda que começou para tocar em festas desse gênero, ter o prazer de escutá-los ao vivo, no palco, deve ser uma experiência. Conversamos com um dos membros da banda, o trompetista Jordan McLean, por telefone de Nova York, pouco antes deles tocarem aqui pela primeira vez — shows em São Paulo na quinta 19 (no Cine Joia) e sábado 21 (no Centro Cultural da Juventude); domingo, a apresentação é no Recife, na programação do festival Abril Pro Rock.

Vocês começaram a banda em 1998. Desde então, o interesse em afrobeat cresceu exponencialmente. Vocês acham que a banda tem relação com isso?
Claro, era inevitável. Acho que é uma combinação natural: quando um mestre de alguma arte morre, o interesse no trabalho dele cresce automaticamente. A morte de Fela causou isso. Além disso, havia esse grupo pouco comum em Nova York, formado por nós, que começava a ficar conhecido tocando a música dele com bastante fidelidade e criando novas músicas naquele estilo. Acho que foi essa combinação de motivos.

Qual foi a motivação de vocês para começar a banda?
Bem, foi Martin Pena quem fundou o Antibalas. Entendo que a motivação dele foi se divertir, basicamente. Dar uma oportunidade a si mesmo de tocar a música de Fela e suas próprias composições inspiradas no afrobeat. Mas também para ter um grupo dedicado a tocar esse gênero, levá-lo a um público que jamais o teria escutado normalmente e expandir o vocabulário do afrobeat com novas canções. Além disso, a situação política que os Estados Unidos vivia na época, fez Martin querer uma plataforma para expressar suas opiniões também de uma maneira musical.

Vocês se relacionam com a ideologia de Fela? Vocês tentam perpetuar essa ideologia política que ele colocava na música?
Bem, por um lado, não somos um grupo de ação política. Somos uma banda. Mas acho que a natureza da música é política. Mesmo que alguns membros da banda possam se considerar pouco envolvidos politicamente, óbvio que todos se importam, existe algo inerente ao afrobeat que acrescenta um tom político às canções de qualquer forma.

Você se lembra da primeira vez que ouviu a música do Fela?
Eu estava em Londres, em 1997, e um músico nigeriano chamado Keziah Jones me apresentou à música de Fela ao me pedir para tocar num show em homenagem a ele. Aprendi uma música e tocamos. Ainda nesse show, o DJ estava tocando Fela e dancei aquilo a noite toda. Logo depois, comecei a colecionar os discos.

O que você acha que é mais impressionante nessa música que ele criou? O que chama atenção ao seu ouvido imediatamente?
Como toco trompete, a coisa que percebi logo é a maneira como ele integra os metais nos arranjos. O afrobeat é, de algumas maneiras, distintamente africano, principalmente nos elementos de transe, a maneira como a seção rítmica toca junto. Mas tinha algo no jeito que ele colocava os metais por cima disso que me lembrava uma mistura de Duke Ellington com Michael Jackson. Nunca tinha ouvido algo assim. Poder dançar uma música que era como Michael Jackson ou James Brown, mas que dava importância aos metais como Duke Ellington.

A maioria dos instrumentistas do Antibalas colabora ou colaborou com diversos artistas, como Amy Winehouse, TV on the Radio, Public Enemy. Você acha que essas experiências fora da banda se refletem no som do Antibalas?
Olha, nem tanto. Todos crescemos ouvindo bandas como Public Enemy – essa foi uma das experiências mais importantes da minha vida, tocar com eles. Conheço o TV on the Radio bem antes de eles serem uma banda. Acho que as amizades, as relações humanas com eles nos afetaram individualmente. Mas creio que a força do Antibalas como banda é que desperta a atenção de outros artistas para tocar com a gente.

Sobre o musical, “Fela!”, vocês fizeram a trilha do espetáculo, certo?
Não e essa é uma distinção importante. O Antibalas é creditado como “consultor musical” da peça, mas a trilha foi feita por mim e Aaron Johnson, que toca trombone na banda. Apenas alguns membros do grupo estiveram envolvidos na produção.

A banda chegou a tocar em alguma apresentação do musical?
Não, nunca. Fornecemos uma consultoria, mas a banda do “Fela!” é algo distinto do Antibalas.

Para você, qual é a diferença entre fazer os arranjos para o musical e para a banda?
No musical, temos alguns outros gêneros de música africana para explicar a origem do afrobeat, mas 90% das canções são de Fela ou são músicas que eu escrevi para ajudar a contar a história melhor. Essa é a diferença: a história sempre vem primeiro quando se faz arranjos de qualquer música para uma produção teatral. Para uma banda, um disco ou um show, a música vem primeiro.

Qual foi a importância dessa experiência? Para você pessoalmente, para a banda e até para o afrobeat?
Pessoalmente, a experiência de trabalhar na Broadway e viajar para outros lugares e ficar semanas. Quando a gente viaja com a banda fica por alguns dias, no máximo uma semana. É uma experiência diferente. Além disso, ter um emprego em que você tem que aparecer seis dias por semana, é muito importante para qualquer instrumentista. É uma boa maneira de poder ficar num lugar só, não ficar viajando como um músico de turnê e ainda poder tocar quase todo dia. Para o Antibalas, ainda não sei direito, vamos ver. Estamos terminando o disco novo e começando a nova turnê. Vai ser interessante ver quantas pessoas nos confundirão com a banda do musical ou quantas souberam da gente através disso. Mas, para o afrobeat, não tenho dúvidas de que milhares de pessoas conheceram o gênero através desse musical, conheceram mais sobre Fela por causa disso.

Você esperava esse sucesso todo, que chegasse a Broadway?
Começou apenas como uma ideia do diretor, uma tentativa de ver se isso funcionaria como uma peça de teatro. Fizemos muitos workshops antes de estrear. Tivemos uma temporada de sucesso no circuito Off-Broadway e, um ano depois, estreamos na Broadway. Uma temporada de 15 meses na Broadway não é nada mal, ainda mais considerando que ninguém imaginava que chegaríamos lá. Era inimiginável algo sobre Fela Kuti chegar lá. E, agora, está em turnê pelo mundo inteiro. Jamais imaginaria isso.

O que você acha que Fela pensaria sobre o musical? Os filhos dele chegaram a assistir e dar uma opinião?
Toda a família dele, Femi e Seun, vieram ao musical diversas vezes e aprovaram tudo. A família Kuti gostou, mas eu não tenho a menor ideia do que Fela acharia. Ele viveu aquela vida. Muitos poderiam dizer “que é uma baboseira da Broadway” ou “como uma vida tão radical pode ser retratada de maneira tão comercial?”. Bem, em resposta a isso, eu diria que o próprio Fela era um showman. Logo, imagino que ele entenderia que estamos tentando contar a história dele de maneira que seja uma experiência teatral positiva para a platéia. Mas não tenho ideia mesmo do que ele acharia. Rikki Stein, que foi empresário do Fela por muito tempo, amigo dele e muito próximo do Antibalas – foi através dele que entramos na produção –, passa a impressão de que Fela se divertiria.

Existe uma biografia sobre o Fela chamada, “Esta vida puta”, escrita por Carlos Moore, que mora no Brasil. Ele diz que o musical foi inspirado no livro dele, mas que não lhe deram crédito. A questão só foi resolvida recentemente. Você acompanhou o caso? Tem uma opinião sobre isso?
Isso é entre Carlos e os produtores, apenas componho música e toco trompete. Sei que ele teve uma nova edição do livro lançada recentemente, o que imagino ter sido bom pra ele. Espero que tenha havido algo positivo pra ele a partir da realização deste musical.

Essa é a primeira turnê de vocês no Brasil…
Sim, estamos muito ansiosos! Espero encontrar as melhores platéias do mundo.

Antibalas já fez versões de Sly and the Family Stone, Bob Marley, Willie Colón, e costumam deixar elas bastante originais. Como vocês fazem os arranjos dessas versões? Já pensaram em gravar alguma música brasileira?
Hum… Ainda não pensamos em gravar nenhuma do Brasil mas, depois dessa viagem, espero que sim. O processo é bastante parecido com a maneira que gravamos nossas próprias canções. Costumamos criar muita coisa nova ao redor do material antigo da versão que estamos fazendo. Deixamos as coisas mais básicas da música, talvez só as letras ou a melodia; ou até uma parte do ritmo ou então pegamos uma frase de teclado e colocamos para os metais tocarem. De uma certa maneira é a mesma coisa que fazer um arranjo para uma música nossa: estamos juntando partes diferentes para encaixá-las no instrumental da banda. A única diferença quando fazemos um cover é que temos um ou dois elementos que já estão prontos. O resto se encaixa de um modo diferente. Acho que por isso as pessoas gostam de nos ouvir fazendo versões, porque são muito diferentes. As únicas que tocamos com mais fidelidade ao original são as músicas de Fela.

Você conhece alguma coisa de música afrobrasileira?
Não posso falar com muita propriedade. Já ouvi bastante, mas não conheço muito profundamente a história e os artistas.

Faz cinco anos desde o último disco, “Security”. Porque levaram tanto tempo para gravar o novo e o que podemos esperar dele?
Acho que será o nosso melhor disco. É muito bom saber que estamos fazendo com a Daptone, que está ligada diretamente às origens da banda. São os mesmos engenheiros e produtores que fizeram as primeiras gravações. A razão da demora foi porque estávamos passando por momentos diferentes individualmente, por isso não tínhamos um disco para fazer. Gravamos algumas músicas nesse tempo, mas nunca um álbum mesmo porque não tínhamos algo a dizer nesse formato.

O que é novo no som desse disco? O que Gabriel Roth, da Daptone, traz de volta ao som da banda nesse trabalho?
A novidade é a energia da banda. Estamos com um baixista e um baterista novos e, claro, a relação desses dois instrumentos é integral para qualquer banda. O fato de eles serem jovens é muito excitante para a gente. Na verdade, eles não são tão novos na banda; estão tocando há dois anos conosco e esse é o primeiro disco que gravam como Antibalas. Além disso, temos pessoas que não tocavam com a banda há anos e que estão voltando para ocupar funções necessárias na seção rítmica. É uma combinação incrível de instrumentistas antigos do Antibalas com outros mais novos. Também tem o jeito que o Gabriel grava. É sempre ao vivo, tocamos bem forte em cada take, para mim há algo mágico em tocar assim uma gravação. Espero que isso fique aparente no disco, mais do que qualquer nova influência. É um retorno à uma ideia específica de afrobeat. Não é como se estívessemos tentando incorporar elementos para criar algo novo. Estamos tentando fazer um disco ótimo e acho que conseguimos. Vai ter muito material original que vieram de várias pessoas da banda.

O que impulsionou essa cena, no final dos anos 90, de revisitar sons do passado? Vocês, o pessoal da Daptone, o projeto Daktaris…
Acho que é a marca da época que vivemos. Temos toda a história humana atrás de nós e, junto com a tecnologia e a própria maneira que a sociedade funciona, chegamos a um ponto em que se começa a olhar pra trás. É como se perguntar porque músicos se juntam pra tocar Beethoven ou porque alguém escreve uma música que poderia ter sido composta no século 14. Temos um sentimento e precisamos expressar através de um som. Para alguns de nós, é a mesma relação que os instrumentistas eruditos tem. Existe uma beleza na sonoridade daquela época que não está no som de hoje. Por isso, trazemos esse som de volta para o presente. Não sei direito, por exemplo, porque as pessoas ainda tocam jazz, porque tocam música clássica ou soul music que soa como se viesse dos anos 60 ou 70. São músicas incríveis que precisam ser tocadas ao vivo. Pessoalmente, tenho tantos outros lugares onde posso inovar musicalmente ou tentar tocar algo que nunca foi ouvido antes. Antibalas é um bom lugar para tocar algo que é imediatamente reconhecível, todos sabem o sentimento que essa música passa. Porque vou ouvir a música do Fela Kuti? Ou, porque vou ouvir a música de uma banda dos anos 70? Porque tem um sentimento ali que algo dentro de mim necessita.

Nesse sentido, essa música, no caso do afrobeat ou do soul, veio de uma etnia específica e vemos no Antibalas, nas bandas da Daptone, pessoas de diversas origens diferentes. Como você acha que isso se soma a música que vocês estão revisitando? Porque não soa exatamente igual ao original.
Acho que isso acontece porque não é Fela ou James Brown. Não acho que tem necessariamente a ver com as origens étinicas, mas, sim, com o fato de que não são as mesmas pessoas. Pode ser uma banda só de negros tocando John Coltrane e você vai saber imediatamente que não é ele no saxofone. Mesmo que pareça com ele. A gente não parece com afrobeat, mas soa mais próximo disso do que a maioria das outras bandas. Acho que tem a ver com as relações humanas, as pessoas que conhecemos e que tocam com a gente nesses projetos.

Mas você acha que adiciona um repertório musical de culturas diferentes que se incorpora ao afrobeat do Antibalas?
Definitivamente. Seus ouvidos vão te dizer exatamente o que é diferente. Eu sempre acho difícil de acreditar quando as pessoas não percebem a diferença entre Fela Kuti e Antibalas. Minha reação é sempre dizer: “você não conhece a música de Fela muito bem”. Talvez nesse disco seja mais difícil de identificar no começo. Mas, assim que você ouvir Amayo cantar, ou alguém do naipe de sopros improvisar, acho que fica óbvio que é algo diferente.

Eu acho que essa é uma das coisas interessantes do Antibalas: vocês tocam algo criado por outra pessoa de uma maneira bastante pessoal.
Eu agradeço e fico feliz de ouvir isso. Principalmente, pelo elemento humano. Somos pessoas de culturas diferentes, mas, principalmente, somos outras pessoas, que vivem em outra época. Claro que vai soar diferente, mesmo que fosse uma banda de nigerianos tocando afrobeat. Não vai ser igual a Fela.

Mas tenho que dizer que dá pra ouvir o cuidado que vocês tem com o afrobeat nas gravações. Vocês respeitam muito a música.
Com certeza, também fico feliz de ouvir isso. Acho que isso faz toda a diferença. Às vezes, ouço outra banda de afrobeat, que tem músicos incríveis, que tocam bem juntos, fazem uma festa legal, mas tem algo faltando. É difícil dizer exatamente o quê. Acho que no final das contas, todos no Antibalas se preocupam, às vezes, até demais.

(Por Filipe Luna)

Antibalas no Brasil
19/Abril – São Paulo @ Cine Jóia – a partir das 21h00
c/ Bixiga 70 e DJ RamiroZ
Ingressos à venda www.cinejoia.tv (preços abaixo)
21/Abril – São Paulo @ Centro Cultural da Juventude – 18h00
… Ingressos limitados (300) – retirados 1 hora antes do show
22/Abril – Recife @ Abril Pro Rock – 20 Anos
mais informações http://abrilprorock.info/

Ingressos Cine Jóia – à venda a partir de 15/03/2012
R$ 60 (meia-entrada)
R$ 80 (antecipados promocionais – lote I)
R$ 90 (antecipados promocionais – lote II
R$ 100 (antecipados promocionais – lote III)
R$ 120 (inteira)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *