De La sonho

Oh yeah! O legendário combo de hip-hop De La Soul está de volta e em grande forma — ou quase isso. A ausência de Pasemaster Mase, o Plug 3, pode levantar entre os puristas a chata e desnecessária questão “isso é mesmo um disco do De La?”, mas o fato é que o trabalho dos MCs Plugs 1 e 2 – respectivamente Posdnuos e Trugoy the Dove – neste ótimo “First Serve” é certamente um dos melhores momentos, ao menos em tempos recentes, de um dos grupos fundamentais do gênero. Especialmente se levarmos em conta o fato de que estamos diante de um álbum conceitual – terreno sempre perigoso quando se é um grupo consagrado, qualquer que seja o estilo.

Formado em Long Island (NY) no distante ano de 1989, o grupo tem em seu currículo nada menos do que uma das obras-primas do estilo, o fundamental “3 Feet High & Rising” (89), além de um punhado de outros LPs tão clássicos quanto importantes para o rap e para a música pop — lembremos, portanto, dos ótimos “De La Soul Is Dead”, de 91, “Stakes Is High”, de 94, e “The Grind Date”, de 2004, apenas para citar alguns.
Em mais de 20 anos de vida e de estrada, o De La Soul se acostumou com os altos e baixos da profissão: tretas com gravadoras, parcerias importantíssimas (como a criação dos Native Tongues, coletivo que formou com os grupos A Tribe Called Quest e Jungle Brothers), turnês por todo o mundo, discos abaixo da crítica, assédio da mulherada, festas, produtores geniais, produtores espertalhões, grana, momentos de limbo e meia dúzia de voltas por cima.

Durante todo este tempo, grupos de rap se formaram, acabaram, voltaram, carreiras-solo foram projetadas, sub-gêneros foram formados, rappers brancos foram levados a sério, o rap foi catapultado à condição de pop por todo o planeta Terra, selos específicos pipocaram aqui e ali com projetos underground, o rap foi parar no cinema, na publicidade, no rádio, nas festas da playboyzada, no ipod da sua namorada e, de alguma forma, o De La Soul esteve sempre presente aqui e ali ao longo de mais de duas décadas.

Oito anos separam o lançamento de “First Serve” e o último LP propriamente dito do grupo, “The Grind Date”. O tempo é consideravelmente menor levando-se em conta os lançamentos da mixtape independente “The Impossible Mission: TV series, Pt. 1” (06) e do caça-níquel “Are You In?” (09), lancado em parceria com a Nike. Como o papo aqui são LPs relevantes, “The Grind Date” é a referência — bom disco, mas inconstante e absolutamente distante de “First Serve” no aspecto musical. Muito do mérito vai para os produtores franceses Chokolate e Khalid, que revigoraram, inovaram, estimularam e recriaram o som do De La Soul, ou pelo menos dos intrépidos Posdnuos e Trugoy.

O disco conta a história dos parceiros, melhores amigos e rappers Jacob “Pop Life” Barrow (Pos) e Maurice “Deen” Whitter (Trugoy) do anonimato à absoluta ascenção como celebridades do mundo pop — espelho divertido e criativo da trajetória vivida de fato pelos integrantes do De La Soul desde 89. Nesse aspecto, pode-se afirmar que o LP é pseudo-auto-biográfico.
Discos autorais não chegam a estar na moda quando o assunto é hip-hop, mas o fato de dois pesos-pesados do gênero terem lancado álbuns conceituais num intervalo de menos de um ano (vá em busca de “undun”, lançado pela rapaziada do The Roots há poucos meses) parece ser um indicador de uma espécie de caminho — ainda que já trilhado antes por Jay-Z (“American Gangster”, 2007), Kanye West (“808 & Heartbreak”, 2008), entre outros — a ser seguido pela turma que já não sabe mais sobre o que rimar quando cogita lançar material novo em um estilo mais do que saturado.

A bem-vinda mistura de old school hip-hop, disco, funk, soul e pop criada pela dupla de produtores encaixa sob medida à levada dos nossos enérgicos rappers quarentões. Pos e Trugoy estão com os flows nos cascos e parecem garotos trocando punchlines ao longo das dezesseis faixas do play. Os destaques imediatos são as ensolaradas “We Made It”, “Move ‘Em In Move ‘Em Out” e o primeiro single do disco, “Must B The Music”, que (conceitualmente) apresenta a dupla no auge, na forma de hit radiofônico fictício — o que não deixa de ser verdade, já que trata-se de uma das músicas mais dançantes já concebidas pelo De La. A atmosfera festiva é uma constante ao longo de mais de uma hora, e mesmo as faixas que retratam as crises da dupla são acompanhadas por um boom bap pra lá de envolvente.

Chama atenção também a belíssima e quase delicada “Pop Life”, slow jam (a única do disco) que conta as desaventuras dos MCs no momento em que ambos descobrem que estão pegando a mesma mina. Coisas da profissão, é o que dizem. “Mulher e dinheiro, dinheiro e mulher”, disseram os Racionais MCs. Aparentemente, Pop Life, Deen, Plug 1 e Plug 2 sabem do que estão falando. E nos contam isso com um bocado de propriedade. Ponto para o De La Soul, que, ao usar o artifício da auto-sátira, recorrendo ao próprio passado e olhando para os lados, acaba de se reinventar numa época em que copiar e se levar a sério parecem ser as palavras de ordem. Longevidade, afinal, é algo bem maior que tudo isso.

(Por Pedro Pinhel)

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