(A) Coltrane é gênio!

#AgoraÉQueSãoElas: a cantora e compositora Marietta paulistana escreve sobre Alice Coltrane e sua obra-prima “Journey in Satchidanda” (1970)! “O que mexeu mesmo comigo e que me impressiona tanto no trabalho dela é a nítida quebra das correntes (do ser humano e da música ocidental) e, claro, o exemplo de algo tão poderoso como a convivência produtiva de dois gênios ser possível: mulher forte e ampla sim ao lado de um grande e revolucionário homem”, escreve. Leia! #foracunha #contraPL5069 #elasporelas 

journeyinsatchidananda

A primeira vez que ouvi falar nela já foi “full contact”. Desinformada, não conhecia nada e já ganhei de presente do meu ex marido, DJ, que sabia da minha paixão alucinada pela música do John Coltrane e que sagazmente intuiu os meus olhos brilhando com a capa do “Journey in Satchidananda” (1970). Ali eram bata, harpa, olhar, reverência, ouro, ancestralidade, peso de prensa gringa: tardes e tardes dos anos 2000. E foi como foi, exatamente na época que eu sobrevivia dando aulas de Yoga e tentando cantar mantricamente em instrumentais de dub e reggae (em meio a muitos moleques), quando o tema “espiritual” era inevitavelmente bastante abordado. Eu tinha essa pretensão de “ser espiritualista” e meu interesse por assuntos místicos e pela espiritualidade culminavam sempre numa crença quase tosca de que Yoga, Krishna, Buda, Jesus, Jah Love, Física Quântica, Tao e a Natureza nos deixam claramente seus legados impregnados de prática: são eles próprios os exemplos de que a “evolução coletiva” (ou amor universal) é resultado da busca individual (amor próprio).

Ali paralisei no fato dela ter produzido o disco: um choque como a imobilização do corpo pra mente meditar. Uma Coltrane, e mulher, discípula do tal guru, anos 70, pra eu descobrir mais de sua visão única. Movimento sutil, força interna e constância me pareciam nobres feminilidades. Virtudes grandiosas. E cá entre nós, entre mil momentos de minha busca individual, 900 eram e são através do som — e entre outros 1000 momentos em que me senti plena nesta vida, 999 a música esteve presente… (Hoje sei, óbvio, música é espiritualidade, né?) Entre inúmeros exemplos — como Baden Powell em “Pai”, Jimi Hendrix no “Eletric Laydland” e o “A Love Supreme” do Coltrane — que me transformaram imediatamente, está este disco. Antes da Alice, a “hélice” que ali naquele momento me levou pro alto, compasso a compasso, a harpa nunca havia me soado tão real e a África nunca tão perto da Índia e de nós aqui. “Onde os Coltrane tocavam era pura presença e intenção revolucionária” — estava eu convicta.

Alice…no país das maravilhas e dores, fiel parceira, instrumentista grande, trabalhadora, veio através de sua busca individual e coletiva, deixar seu legado de brilho e poder real, ressaltar a abertura do jazz e nos levar a outras dimensões ampliando nossas percepções tão limitadas, romper limites e todas as correntes e escravidões, unir, e voltar à fonte fundamental.. Recomendo ouvir o lado A de “Journey in Satchidananda” pelo menos 78 vezes. Também ouvi bastante “Radha-Krsna Nama Sankirtana”, de 76, pra mim muito Hare Krishna e religioso, o que respeito e acho belo, porém me ligo mais nos do começo da sua extensa e notável obra/busca espiritual. (“Ptah, the El Daoud” também é grandioso e mais experimental.) O que mexeu mesmo comigo e que me impressiona tanto no trabalho dela é a nítida quebra das correntes (do ser humano e da música ocidental) e, claro, o exemplo de algo tão poderoso como a convivência produtiva de dois gênios ser possível: mulher forte e ampla sim ao lado de um grande e revolucionário homem.

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