IFÁ na Fé
A banda IFÁ aparece com pelo menos dois trunfos para tocar afrobeat no Brasil: vem de Salvador (a capital mais negra do Brasil) e trabalha em parceria com a cantora Veronny Okwei Odili — nigeriana natural de Lagos, a cidade berço do gênero difundido por Fela Kuti ao longo dos anos 70. O vídeo divulgado com a versão instrumental de uma de suas músicas, “Suffer”, mostra que, além de raízes geográficas favoráveis, há também um suingue bem azeitado para mexer na receita original do gênero e acrescentar seus próprios temperos. Com a saudável e crescente reverberação do afrobeat na música brasileira, surge também um bom dilema para as novas bandas que buscam afirmação e desenvolvem sua identidade: trabalhar com fidelidade máxima às estruturas do gênero ou recombinar sua influência na tentativa de encontrar um diferencial? Qual é o melhor caminho para não soar repetitivo em relação às bandas contemporâneas que lidam com as mesmas referências? Trocamos uma ideia com o baterista Jorge Dubman para conhecer um pouco da história do IFÁ, que prepara o lançamento de seu EP para este primeiro semestre.
Como surgiu a IFÁ?
A IFÁ começou em meados de 2012, como um power trio formado por mim, Jorge Dubman (bateria), Fabricio Mota (baixo) e Átila Santtana (guitarra). As primeiras composições foram criadas em encontros semanais num home Studio, já tínhamos alguns temas e começamos a ensaiar com o intuito de fazer uma banda de Afrobeat com sopros, percussão etc. Os outros músicos foram conhecendo o projeto e hoje somos 9. Completam a banda: Alexandre “Loro” Espinheira (percussão), Prince Áddamo (guitarra), Tiago Tamango (teclado), Normando Mendes (trompete), Matias Hernan Traut (trombone) e Raiden Coelho (sax).
Qual é o significado do nome?
Assim como o jogo de búzio (oráculo africano de nome ifá), nosso som é fortemente calcado nas tradições da cultura negra. O significado da sigla I.F.A. revela o conceito do nosso som, um cruzamento dos gêneros musicais ijexá (ritmo local oriundo dos terreiros e afoxés), funk e afrobeat.
O Brasil, por suas raízes africanas, naturalmente tem afinidades com os gêneros musicais do continente. Na sua opinião, porque só de alguns anos para cá, começaram a surgir bandas claramente influenciadas pelo afrobeat? Vocês foram influenciados de alguma forma por outras bandas do Brasil?
Acho que a internet ajudou bastante em relação à pesquisa, porque lembro que quando comecei a pesquisar o afrobeat, em 1999, era muito difícil achar material. Com o tempo os blogs foram disponibilizando esses discos, que por serem importados se tornaram muito raros no Brasil. Uma das primeiras bandas do Brasil a incorporar células do gênero na música que faz foi a Nação Zumbi. O que acontece atualmente é reflexo de uma pesquisa que vários músicos vêm fazendo simultaneamente pelo país. Bandas como o Bixiga 70 e Abayomy abriram caminho para outras, de certa forma.
Por outro lado, fazer afrobeat no Brasil abre possibilidades infinitas por conta das referências que temos de nossa rica cultura musical. Como o IFÁ trabalha isso? Você diria que o som é similar ao afrobeat nigeriano ou absorve as influências brasileiras?
Nesse nosso primeiro trabalho estamos fazendo uma linha bem tradicional, mas com um pouco de influência da música brasileira como o ijexá e o samba reggae, já que não temos como fugir das nossas raízes! Os temas foram surgindo e fomos trabalhando isso naturalmente. As influências foram reflexo do que estávamos escutando na época, muita coisa tradicional do afrobeat e outros ritmos também.
A banda tem um diferencial, que é a cantora nigeriana Veronny Okwei Odili. Qual é a contribuição que ela traz e como aconteceu a aproximação entre vocês?
Conhecemos a Veronny através do Fabrico Mota (baixista da IFÁ). Conhecida como Sistasoul em seu país de origem (Nigéria), a cantora veio a Bahia fazer residência artística e assim nos conhecemos. A afinidade foi imediata! Naquele momento estávamos com alguns temas semi-prontos, mandamos via email pra ela e marcamos um ensaio. Veronny chegou nesse ensaio com a maioria das letras escritas, uma surpresa totalmente inesperada. Foi muito forte a energia! Tanto que gravamos juntos um EP que será lançado em julho.
Ela é de Lagos, o berço do afrobeat. Como ela reagiu ao ver uma banda de Salvador trabalhando com um som que nasceu na cidade dela, do outro lado do Atlântico?
Ela reagiu super bem, se sentindo em casa, porque segundo ela, sentiu uma atmosfera parecida com a dos sons feitos em Lagos na década de 70.
Você é baterista e o ritmo inventado por Tony Allen parece ser a chave para entender o afrobeat musicalmente. Como você assimila isso? Você tenta reproduzir seus movimentos ou adapta a um estilo mais brasileiro?
Tanto no afrobeat, quanto no reggae ou no funk, eu sempre busquei seguir um linha tradicional, entende? Sempre procurei pesquisar os antigos e adaptar a minha pegada como baterista, porque temos uma coisa muito boa como brasileiro, que é o nosso suingue. E isso facilita entender a levada do afrobeat que é bastante complexa, e que se não se compreende, não se toca. Sempre digo em entrevistas que o Tony Allen mudou a minha vida como baterista.
O que você pode adiantar do EP que vocês vão lançar? O que podemos esperar?
Posso adiantar que será um EP com 5 faixas (“Afrofunk Revolution”, “Afro Woman”, “Suffer”, “Axé” e “Ebezener”), todas com o vocal da Veronny Odili e que já está em fase de finalização, produzido pelo I.F.Á. e pelo produtor musical baiano André T. Podem esperar um trabalho muito bem produzido e honesto.
(Por Ramiro Zwetsch)
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