Milhas à frente

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Miles Davis: revoluções no jazz e um fraseado autoral no trompete

 

Quando Miles Davis lança o disco “Miles Ahead”, em 1957, seu nível de confiança na própria música já era grande o suficiente a ponto dele topar intitular o trabalho com uma expressão de duplo sentido, em que um dos significados é “milhas à frente”. Ele estava certo. Naquele momento, o trompetista e compositor ainda não havia transformado o jazz tão profundamente como faria logo depois — mas já vislumbrava o futuro do gênero, esbanjava no currículo obras icônicas como “Birth of the Cool” (o disco que antecede “Miles Ahead”, também de 1957, e torna-se referência do gênero cool jazz) e desfrutava do reconhecimento pela autenticidade do fraseado claro e lírico do seu trompete.

O músico e educador musical paulistano Tiago Frúgoli oferece a partir da semana que vem um curso de apreciação da obra de Miles Davis, que cobre justamente o período de pouco mais de dez anos que separam seus discos mais icônicos: “Kind of Blue”, de 1959, o marco zero do jazz modal e constantemente apontado como um dos discos mais importantes da história da música; e “Bitches Brew”, de 1970, que inaugura o jazz fusion e aproxima o músico das influências de rock e funk.

Trocamos uma ideia com Frúgoli sobre o conteúdo das aulas e a importância do jazzista. Também preparamos uma playlist com dez faixas lançadas no período que cobre o curso: oito delas serão apreciadas ao longo das aulas; acrescentamos “Will O’The Wisp” (“Sketeches of Spain”, 1960) e “Someday My Prince Will Come” (do disco homônimo, de 1961) para completar um top 10 representativo das gravações do músico pela Columbia Records entre 1959 e 1970. Leia a entrevista, ouça a playlist e inscreva-se no curso!

Qual é a estrutura do curso?
O curso é composto por 5 aulas de 80 minutos. A principal atividade é a escuta com atenção (algo que sinto muita falta hoje em dia, com tanta música disponível e constantemente tocando como pano de fundo), seguida de discussões sobre aspectos da composição, execução e gravação das obras. As aulas são pensadas de maneira a introduzir o assunto ao aluno que está tendo um primeiro contato com essa música, mas aprofundar a escuta e compreensão daquele que já tem familiaridade com o repertório.

Entre tantos nomes importantes do jazz, por que escolheu Miles Davis?
Acho que Miles é o artista que protagoniza o maior número de inovações dentro do jazz. Antes de “Kind of Blue”, já tinha encabeçado (com Gil Evans) o que viria a ser chamado de “cool” e (com Horace Silver e Art Blakey) inaugurado o hard bop. Meu curso foca em apenas uma parte dessa história. Sinto que poucos artistas passam por tantas mudanças criando novas ondas e não somente as seguindo. Em um plano pessoal, me interessa o papel de Miles como produtor, para além do trompetista. Acho que a qualidade dos seus discos se deve, em boa parte, a decisões conceituais que ele tomava, o direcionamento que dava para o projeto e os músicos que escolhia.

Por que o recorte de “Kind of Blue” a “Bitches Brew”?
Primeiro, por que são os dois álbuns mais influentes dele. “Kind of Blue” está em qualquer discografia básica de jazz. O álbum é uma unanimidade entre músicos, apreciadores e estudantes. É um disco que inovou e influenciou muito na época, mas também um disco cuja música envelheceu bem: acessível o suficiente para agradar quem está começando a ouvir, ao mesmo tempo que oferece muito musicalmente para quem se aprofunda. Já “Bitches Brew” é um clássico por outros motivos. Ao contrário de “Kind of Blue”, foi o álbum que fez Miles ser venerado pelos fãs de rock e desprezado por boa parte de seu público anterior. O disco dá passos gigantes, não só esteticamente, mas também em técnicas de gravação e edição que não tinham sido usadas no gênero até então. Os dois álbuns parecem vir de universos diferentes em uma primeira audição — mas, ouvindo o que foi lançado entre um e outro, é possível enxergar uma continuidade.

Qual é o seu disco preferido dele e por quê?
Tenho um apego especial pelo “Miles Smiles”, de 1967. Conheci o álbum por meio de uma fita k7 gravada pela minha tia-avó. Fui cativado imediatamente, antes mesmo de entender o que acontecia nas faixas em termos musicais. Eu já estava estudando música a sério e fazendo análise formal, mas ouvi esse álbum repetidamente por anos antes de conseguir estudar as músicas. A liberdade desse trabalho quebrou as amarras que eu estava construindo, de que havia um jeito certo ou errado de se fazer jazz ou música em geral.

Miles e um dos seus discípulos mais dedicados, o saxofonista Wayne Shorter

E qual foi a banda que melhor deu o suporte para ele desenvolver sua criatividade, na sua opinião?
Acho que o quinteto dos anos 60 (chamado comumente de segundo quinteto) é um auge. Todos músicos eram bem mais novos que ele e viraram referências máximas em seus instrumentos depois: Herbie Hancock (piano), Wayne Shorter (sax), Ron Carter (baixo) e Tony Williams (bateria) — que começou a tocar com Miles com 16 anos. A história fala por si. Também gosto do fato de ser um grupo que gravava majoritariamente composições originais e que não havia uma predominância do líder nessas composições. Apesar disso, é possível perceber o quanto Miles imprimia sua estética. Isso fica evidente se ouvirmos composições que foram gravadas também nos discos solo dos integrantes.

Esse aspecto, aliás, parece ser uma marca na carreira de Miles: reunir em torno de si outros músicos fundamentais que posteriormente se desenvolvem em seus respectivos trabalhos autorais. John Coltrane, Cannonball Adderley, Herbie Hancock, Wayne Shorter são só alguns exemplos. Acredita que, além de mudar o jazz em seus trabalhos como solista, ele foi também importante para a evolução de outros ícones do gênero?
Com certeza. De John Coltrane a Airto Moreira, entre tantos outros, é impressionante ver como os músicos que tocaram com Miles parecem ter essa experiência como um dos marcos de suas vidas. Pelos relatos, parece ser algo que realmente muda a maneira da pessoa de fazer música a partir dali. Acredito que a influência de Miles vai muito além do trompete e do jazz.

De Kind of Blue a Bitches Brew

Quando: Segundas (13/5, 20/5, 27/5, 3/6 e 10/6), das 19h30 às 20h50

Onde: Espaço Musical Ricardo Breim – Rua Paulistânia, 162

Quanto: R$ 250,00

Mais informações: (11) 3813 2955

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