O Liberace de bronze

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Entre os dias 1 e 15 de maio, São Paulo recebe o festival de documentários musicais In Edit, que desde a primeira edição nos entretêm com títulos que não chegariam à telona de outro modo. Salvador recebe o evento entre 12 e 18 de maio. Em uma sacada rápida na lista de filmes, alguns chamam atenção de cara. O primeiro é “Finding Fela”, de Alex Gibney, que mira para a impressionante história do nosso herói Fela Kuti — com depoimentos de seus filhos Femi e Seun, do baterista Tony Allen, do biógrafo do músico Carlos Moore, entre outros. Salta aos olhos também “A Band Called Death” (de Jeff Howlett), que conta a história de um trio de rock, de músicos negros, que antecipou em um ou dois anos o punk rock – mas é bem verdade que os Stooges fizeram isso bem antes. O Death, formado em Detroit, que havia gravado um único disco em 1975, ganhou reconhecimento e respeito nos últimos anos, e essa redescoberta deve fazer dessa sessão uma das mais concorridas, com direito a filas de hipsters com suas mochilas que carregam um iPod.

Já a nossa terceira indicação e assunto principal deste texto, quem quiser assistir, não deve enfrentar muita concorrência. Não é hipado nem modernoso, o som está longe de qualquer picaretagem recém-descoberta por algum comercial de produto tecnológico ou filme pseudo-fofinho (não que o o Fela ou Death sejam, que fique bem claro) e seu personagem provavelmente continuará um tanto obscuro, embora já seja cultuado há algum tempo por quem gosta de jazz, blues e, por que não, rock. Trata-se de “Bayou Maharajah: The Tragic Genius of James Booker” (de Lily Keber), que conta a história um tanto trágica do genial pianista James Booker. Nascido em New Orleans, o músico era triplamente discriminado por ser negro, homossexual e um junkie incorrigível.

James nasceu em 17 de dezembro de 1939, era filho e neto de pastores da igreja batista. Ainda criança, ganhou um saxofone de sua mãe, mas logo demonstrou mais interesse pelo piano e assumiu desde cedo o orgão da igreja em que seu pai pregava. Já nos anos 1950, realizou sua primeira gravação e seus estudos o levaram a aprender piano clássico. Com a bagagem que tinha, sua música, sua forma de tocar e cantar, conseguia unir gêneros e técnicas diferentes. Suas gravações eram um amálgama original de jazz, blues, spirituals, boogie, e música clássica e latina, tudo com o som do velho estilo de New Orleans.

Seu vício pode ter, acredite, começado aos 9 anos, quando tomou uma injeção de morfina em um hospital, coisa que o marcou para sempre e chegou até a ser cantada por ele em uma de suas composições. No início dos anos 1960, compôs uma canção chamada “Gonzo” para um filme sobre viciados, que se tornaria a favorita de Hunter Thompson e até batizaria o estilo de jornalismo do escritor. Segundo músicos de New Orleans, James chegava a estar tão mal que, certas vezes, vomitava no piano — em outras tocava com seringas e agulhas entre as teclas do instrumento. Também chegou a entrar no palco com uma arma apontada para a cabeça e exigir cocaína da plateia, caso contrário se mataria.

Apesar de seu comportamento autodestrutivo, cheio de traumas e demônios, o pianista acompanhou Ringo Starr, John Mayall e Doobie Brothers. Mas sua carreira errática o levou a gravar poucos discos solos, a tocar muito em pequenos bares e abusar mortalmente da heroína e do álcool. Os vícios o levaram mais de uma vez à cadeia.

Durante 2 anos, de 1976 a 1978, James conheceu o sucesso e o respeito na Europa, onde excursionou bastante e não precisou lidar com o racismo e a discriminação sexual dos quais era vítima em seu país de origem. Ganhou apelidos como Liberace de Bronze (em função de sua maneira extravagante de se vestir, usando até um tapa olho).

Como muitos de seus contemporâneos, ficou deprimido quando voltou dos EUA e aumentou os abusos. Ainda gravou um de seus poucos discos de estúdio, o ótimo “Classified”, lançado em 1982. No ano seguinte, James chegou à emergência do New Orleans Charity Hospital com insuficiência causada pelo abuso de drogas. Pobre, negro, discriminado, drogado, ele esperou por um atendimento que não veio, sentado em uma cadeira de rodas. Morria um gênio.

(Por Alê Duarte)

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