O sopro de um gigante

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Ornette Coleman (1930 – 2015), bem antes de sair deste plano hoje (11-06-2015), já ocupava a posição de lenda do jazz. Mais do que um músico talentoso e revolucionário, era um daqueles fenômenos que surgem não se sabe de onde para mudar o curso de um rio imenso. Ornette mudou o fluxo da corrente do jazz, que seguiria de forma bem mais ordeira e menos transgressora se não fosse por ele. Dizer que somente o jazz não seria o mesmo sem a descarga de caos que o saxofonista introduziu ao gênero é pouco, pois boa parte de muito do que se criou de coisa boa no rock e na música experimental descendem direta ou indiretamente dos sopros desafiadores que saíram do saxofone branco de plástico do músico desde seus primeiros shows nos anos 1950.

Nascido em Forth Worth, Texas, em 9 de março de 1930, Ornette lançou seu primeiro disco em 1958. Durante seus shows, nessa época, era normal ele ser vaiado. Poucos entendiam sua desconstrução de um gênero que, finalmente, estava prestes a atingir seu apogeu junto ao mainstreim com os lançamentos de “Kind of Blue” (Miles Davis) e “Time Out” (Dave Brubeck) — ambos de 1959. Até mesmo entre os músicos Ornette tinha dificuldade de encontrar pares que entendessem sua proposta, coisa que aconteceu quando conseguiu formar um quarteto coeso — com Don Cherry no trompete, Chalie Haden no baixo e Billy Higgins (depois substituído por Ed Blackwell) na bateria.

Em 1959, sua obra-prima “The Shape of Jazz to Come” escancarou de uma vez por todas as portas do futuro do jazz e basicamente inaugurou um movimento underground que influenciou quase todas as gerações de músicos posteriores. Inclusive alguns já em atividade — e com a carreira estabelecida — começaram a rever seus conceitos – caso de John Coltrane, que pediu para ter aulas com o colega. Uma sequência de grandes discos — como “Change of the Century” e “This Is Our Music” — culminaram no barulhento, caótico e influente “Free Jazz”. O disco já trazia no próprio nome o batizado de um novo gênero e, na formação, dois quartetos com músicos que se revelariam alguns dos mais importantes dali em diante.

O exemplo foi seguido por uma série de músicos a partir de então: Art Ensemble Of Chicago, Albert Ayler,  Charles Tyler, Archie Sheep e muitos outros jazzistas beberam na inesgotável fonte de Coleman. Além disso, sua música transcendeu gêneros, influenciando o rock de Frank Zappa, Capitain Beefheart, o art-rock e rock progressivo, o rock psicodélico, o punk rock e a no wave — além das bandas experimentais do chamado pós-rock dos anos 90 e dos dias de hoje.

Porém, ao contrário de outros gênios criadores, Coleman nunca se acomodou e mudou um pouco seu estilo ao longo das décadas. Gravou outra obra-prima (“Science Fiction”, em 1971), realizou um ousado trabalho sinfônico em 1972 (chamado “Skies of America”), inventou o free-funk ao absorver, a música eletrificada da juventude negra norte-americana ao lado de sua nova banda (que revelou o guitarrista James Blood Ulmer e o baterista Ronald Shannon Jackson, entre outros), além de gravar com nomes como Yoko Ono e Lou Reed.

No ano passado, o trip Bad Plus fez uma homenagem ao saxofonista com shows em que tocavam na integra o álbum “Science Fiction”. Em 1989, o saxofonista John Zorn lançou “Spy VS Spy”, um disco inteiro em tributo a Ornette Coleman. Muitas outras reverências aparecerão daqui em diante e nunca serão suficientes para dimensionar o sopro de um gigante.

(Por Alê Duarte)

 

 

 

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